3 POEMAS DE

FRANK O’HARA

(Mauricio Salles Vasconcelos)

Traduzido em nosso idioma por José Alberto Oliveira (Portugal), Paulo Henriques Britto e Beatriz Bastos (Brasil), Frank O’Hara sempre suscita revisitas, descobertas, com o passar do tempo. Em primeiro plano, comparece uma poética movida pela nervura da grande metrópole nova-iorquina, onde o autor atuava como curador do Moma, se punha a caminhar por suas avenidas com uma vivacidade radiográfica, cartográfica – tal como estampa a reunião de ensaios Standing Still and Walking in New York – e também se lançava à conversa telefônica com amigos à hora do almoço (sempre em comentário sobre o que estava acontecendo naquele preciso momento, consigo, na vida cultural daquele imenso polo urbano, no ar do tempo).

Um painel não só das artes da época (Marjorie Perloff bem pontuou tal perspectiva no ensaio Frank O’Hara, Poet Among Painters) desponta em sua produção, mas a emergência de afecções e procedimentos escriturais antecipatórios do que se chamou até certo tempo de pós-moderno. Conhecido, juntamente com John Ashbery, Barbara Guest, entre outros, como New York Poet, o autor de Second Avenue imprime em seu projeto a tematização bem avançada – considerando-se o momento em que escreveu –, bem nuançada da experiência gay. Erotiza o espaço da literatura, na mesma medida em que eletriza veios múltiplos para se entender um composto mobilizante aberto pelo raio de implicações entre sexualidade, mapeamento da escrita, entre autorias/artes de várias procedências e uma certa documentalidade do século (segunda metade do segundo milênio).

Vibrante se mostra a oralidade de seus textos, conduzindo-se por uma ética da instantaneidade. O que faz radiar no nosso presente uma dicção inigualável, capaz de promover um senso de historicidade que faz falta na escrita de hoje. Pois O’Hara não só expõe um arquivo multifacetado da poesia, à altura dos anos 1950 até à década seguinte (quando deixa de viver), com amplo senso de linguagem, vibrante interrelação com outros campos de conhecimento e criação. Deixa, de modo impactante, um lastro de vinculações da escrita com o instante, inseminando perspectivas indissociáveis de um corpo que atravessa e alastra a concepção do que significa o humano, seu saber, seu idioma vertido em arte, na hora exígua e energética de uma certa cidade – em certa época –. Através dos acentos de voz e do aparelho telefônico (como patenteiam seus Lunch Poems). À hora do almoço. Ao meio-do-dia (a ressoar até agora).

MAD MEN – Don Draper, protagonista da série, lê O’Hara

MEDITAÇÕES NUMA EMERGÊNCIA


Devo me tornar perdulário como se fosse uma loura? Ou religioso como se fosse francês?

Cada vez que meu coração se parte me sinto mais aventureiro (e como os mesmos nomes continuam recorrentes naquela lista interminável!), mas num dia desses não haverá mais nada de aventura.

Por que eu deveria compartilhar você? Por que “você” não fica livre de outra pessoa, para variar?

Sou o menos difícil dos homens. Tudo que eu quero é um amor ilimitado.

Até as árvores me entendem! Céus, eu também estou logo abaixo, não é? Sou uma pilha de folhagens.

Eu nunca me fechei, contudo, ante o elogio da vida pastoral, nem mesmo com a nostalgia de um passado inocente de atos pervertidos nas pastagens. Não. Nunca é preciso deixar os confins de Nova York para obter tudo que se deseja e é verde – nem posso desfrutar de uma folha de grama, a menos que eu saiba que há um metrô à mão, uma loja de discos ou algum outro sinal de que as pessoas não renegam a vida. É mais importante afirmar o menos sincero; as nuvens recebem atenção suficiente do jeito que estão, mesmo que continuem a passar. Alguém sabe o que está se perdendo? Uh huh.

Meus olhos são de um azul vago, assim como o céu, e mudam o tempo todo; nada discriminam, a não ser o que é fugaz, inteiramente específicos e desleais, de modo que ninguém acaba por confiar em mim. Estou sempre desviando o olhar. Mais uma vez, na direção de algo depois do abandono. Isso me deixa inquieto e infeliz, mas não consigo mantê-los parados. Se ao menos eu tivesse olhos cinzentos, verdes, pretos, castanhos e amarelos; eu ficaria em casa e faria alguma coisa. Não é que eu seja curioso. Pelo contrário, ando entediado, mas é meu dever estar atento, as coisas precisam de mim assim como o céu deve estar acima da terra. E, ultimamente, a ansiedade alheia se tornou tão grande que não consigo a menor porção de sono.

Agora, há apenas um homem que gosto de beijar quando ele está com a barba por fazer. Heterossexualidade! você está inexoravelmente se aproximando. (Qual a melhor forma de desencorajá-la?)

São Serapião, envolvo-me nas vestes da tua brancura tal como bate meia-noite em Dostoiévski. Como vou me tornar uma lenda, meu bem? Já experimentei o amor, mas isso te esconde no seio do outro e dele estou sempre brotando feito o lótus – o êxtase de brotar sempre! (mas não se deve distrair com tal coisa!) ou à maneira de um jacinto, "para afastar a sujeira da vida", sim, ali, no coração mesmo, onde a sujeira é injetada e calunia, polui e determina. Eu desejo o meu desejo, embora possa ficar famoso por uma misteriosa vacância em algum departamento, uma estufa, por exemplo.

Destrua-se, se você nunca vai saber!

É fácil ser bonito; difícil é parecer que sim. Admiro você, amor meu, justamente pelo que foi armado, sua armadilha. É como se fosse um capítulo final que ninguém lê porque a trama se encerrou.

"Fanny Brown fugiu – saiu correndo com Cornet of Horse; Eu amo aquela pequena Minx e espero que ela seja feliz, embora tenha me aborrecido um pouco com este Exploit também. – Pobre e tola Cecchina! Ou F: B: como costumávamos chamá-la. — Eu gostaria que ela recebesse uma bela Chicotada e 10.000 libras. " – Sra. Thrale.

Tenho que sair daqui. Escolho um xale e meus bronzeadores mais pegajosos. Eu voltarei, reemergido, derrotado, vindo do vale; você não quer que eu vá aonde você vai, então eu vou aonde você não quer que eu vá. Ainda é de-tarde, tem muita coisa pela frente. Não haverá nenhuma espécie de mensagem mais abaixo. É só uma volta, cuspo na fechadura e a maçaneta gira.



MEDITATIONS IN AN EMERGENCY



Am I to become profligate as if I were a blonde? Or religious as if I were French?

Each time my heart is broken it makes me feel more adventurous (and how the same names keep recurring on that interminable list!), but one of these days there’ll be nothing left with which to venture forth.

Why should I share you? Why don’t you get rid of someone else for a change?

I am the least difficult of men. All I want is boundless love.

Even trees understand me! Good heavens, I lie under them, too, don’t I? I’m just like a pile of leaves.

However, I have never clogged myself with the praises of pastoral life, nor with nostalgia for an innocent past of perverted acts in pastures. No. One need never leave the confines of New York to get all the greenery one wishes—I can’t even enjoy a blade of grass unless I know there’s a subway handy, or a record store or some other sign that people do not totally regret life. It is more important to affirm the least sincere; the clouds get enough attention as it is and even they continue to pass. Do they know what they’re missing? Uh huh.

My eyes are vague blue, like the sky, and change all the time; they are indiscriminate but fleeting, entirely specific and disloyal, so that no one trusts me. I am always looking away. Or again at something after it has given me up. It makes me restless and that makes me unhappy, but I cannot keep them still. If only I had grey, green, black, brown, yellow eyes; I would stay at home and do something. It’s not that I am curious. On the contrary, I am bored but it’s my duty to be attentive, I am needed by things as the sky must be above the earth. And lately, so great has their anxiety become, I can spare myself little sleep.

Now there is only one man I love to kiss when he is unshaven. Heterosexuality! you are inexorably approaching. (How discourage her?)

St. Serapion, I wrap myself in the robes of your whiteness which is like midnight in Dostoevsky. How am I to become a legend, my dear? I’ve tried love, but that hides you in the bosom of another and I am always springing forth from it like the lotus—the ecstasy of always bursting forth! (but one must not be distracted by it!) or like a hyacinth, “to keep the filth of life away,” yes, there, even in the heart, where the filth is pumped in and courses and slanders and pollutes and determines. I will my will, though I may become famous for a mysterious vacancy in that department, that greenhouse.

Destroy yourself, if you don’t know!

It is easy to be beautiful; it is difficult to appear so. I admire you, beloved, for the trap you’ve set. It's like a final chapter no one reads because the plot is over.

“Fanny Brown is run away—scampered off with a Cornet of Horse; I do love that little Minx, & hope She may be happy, tho’ She has vexed me by this Exploit a little too. —Poor silly Cecchina! or F:B: as we used to call her. —I wish She had a good Whipping and 10,000 pounds.” —Mrs. Thrale.

I’ve got to get out of here. I choose a piece of shawl and my dirtiest suntans. I’ll be back, I'll re-emerge, defeated, from the valley; you don’t want me to go where you go, so I go where you don’t want me to. It’s only afternoon, there’s a lot ahead. There won’t be any mail downstairs. Turning, I spit in the lock and the knob turns.