BEBETE BEZOS

(Mauricio Salles Vasconcelos)

Episódio 5

Em andamento de folhetim, segue no LÁPIS o Post Tela-Romance Bebete Bezos (Episódio 5).

O projeto se centra numa recriação, no feminino, de Beto Rockfeller (telenovela emblemática de Bráulio Pedroso), acrescida de motivos romanescos extraídos de autores como José Agrippino de Paula, Alfred Döblin, Robert Musil e Witold Gombrowicz. Em pauta, se encontra uma atualização de personagens do século XX instalados na época multimidiática gravitada em torno dos domínios de imagem/influência tal como configura Jeff Bezos (em correspondência neomilenar com o que Nelson Rockefeller exercia sobre o protagonista de Bráulio Pedroso, nos anos 1960, por força do poder econômico).

 

Mauricio Salles Vasconcelos


BEZOS

 

Está escrito. Basta todo mundo seguir não apenas os produtos, mas os frutos do que foi inseminado e não cessa de fazer parte de nossas vidas (entre o bem natural e o induzido, já na veia, em sua mescla mais viva).

 

Já compõe livros – Um a um dos leitores diante/Manual Empreendedor revira capa e conteúdo; pelo dado de estar contido ali, ao léu da letra mais do que simples depoimentos, rolls de entrevistas.

Statements? Nem pensar.

São estados de palavras, imagens e modos de compactar o que se vive e passa “batido” (como se deixasse de dizer a respeito a lugares postos, pontos-de-referência simplesmente)

Com a potência de um reservatório, precisa haver recorrência ao material/manancial daquele simplesmente apontado (Billionaire JBezos) pelo poder de acúmulo, realizações absorvidas enquanto (in the abstract) patrimônio comum.

Principalmente, quando se tem a ideia de Fortuna tão centralizada por um homem, um nome, a um só tempo pulverizada no onipresente horizonte da vida-corrente.

 

Porque em obras como EM SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS e IMAGINE & DESFRUTE, Jeff Bezos espalha possibilidades, necessárias de tradução a cada momento. Muito mais do que a versão de uma a outra língua. Outro Sim: aplicação instantânea na existência menos percebida.

Dali se montam planos cada vez mais concretos. Exatamente, por serem proliferados, tornados quase imperceptíveis nos muitos lugares habitados, um ao próximo um, num só momento.

 

Olhem com atenção para o lugar de agora – Sala PanPauliceia – Mesmo não estando mais aqui, vamos entender tal área/arena em concentração – estendê-la –

À maneira de um arco. Um possível eixo desdobrado bem antes, passível de outras correspondências. Pois foi concebido para Afluências.

Quanto mais posterior foi o instante: combinações para fora daqui, no mais reduzido espaço. Exemplo. (Apenas um). Então

 

Antes de tudo

Escreva a sua Sinopse – (Mentalmente, a princípio

Pouco a pouca em traslado

Para o não-

Inscrito)

 

O que possa caber num retângulo/retalho expansivo, ao invés de

Ovalóide cerzidura

(Um círculo, jamais,

Deve cada criatura se pôr a contrariar

Algo pronto, premissa,

Passaporte/Justamente para onde nunca se sabe

Sinopse, justo assim sinuosamente sinal)[1]


Experimentada na função de vendedora/demonstradora, ela esquadrinha a Sala (palmos para festas, celebrações culturais, modos de vida agregados não mais à sombra da Sociedade, nomenclatura passadiça, dissolvente das reuniões mais inesperadas do Comum Coletivo Comunidade) – Bebete

 

Aponta para os quadrantes de PanPauliceia, de forma a desfazê-los da moldagem em círculos –

 

Circuitos, talvez. Prefere chamá-los de planos.

 

Muito do que expõe é extraído do depoente Jeff Bezos em desempenho direcionado para organizadores de livros com seu nome. Algo capaz de incitar imediatamente a formação de outro evento multitudinoso aos olhos da família Karam (além de mãe-pai-filho, também a avó e Tata, a cria distanciada, como apartada de qualquer pertença).

 

Por outra via, Bebete se nutre de muitos trechos ditados, sempre relacionados a fotos e desenhos à maneira de legendas, por Vange Florestano – A coleta de dados vários, textos verbalizados pela introdutora de Estudos Performativos na Universidade Nacional, compunha parte do trabalho de Bebete B. como diarista, dividido com leituras e transcrições. A combinação de seus serviços girava grande parte em torno de Memória das Performances Históricas – O Instante e o Visivo

(Volume inacabado, prestes a ser concluído na beirada do falecimento da mestra Florestano, vizinha da porta em frente do mínimo ap, mais um entre muitos, compartilhado sempre com Vix)

 

Na função mista de cuidadora-arrumadeira-leitora de obras-transcritora de um volume ansiado por V. F., assinado como súmula de sua “vasta experiência” (voz firme, porém miúda da Professora da Performance, em sua incansável minúcia), Bebete a ouvia atentamente enquanto se punha a digitar Vange Florestano não deixava mais “para ontem” a materialização de experiências evanescentes, executadas ao sabor do instante, mesmo sendo para morrer por cima do Livro das Performances em busca de sua finalização.

Obra-testemunho no correr de infindáveis décadas em plateias diversas e concorridas salas-de-aula. Um volume transmitido: infindável ditar para a secretária-faxineira-coletora de vozes, espetáculos extintos no segundo exíguo performativo

 

PLANOS (palmos sobre superfícies)

Por exemplo, em Yoko Ono, o intuito de diluir o pensamento enquanto círculo

Reincidentes apoio e approach do que seria uma reserva de razão precípua e final

 

                                                            PEÇA DE SANGUE/USE

                                                                  O PRÓPRIO SANGUE PARA PINTAR

                                                                                            (Ono, GRAPEFRUIT)

Tudo o que escorre vindo-de-um (não sendo você um mero conta-gotas ou um reservatório invisível de vida)

 

Surpreender a si mesmo. Tal como se uma plateia não estivesse presente para julgamento, avaliação de gosto, mudo consentimento que seja.

Isso sim: para não se ver enquanto maciço quantitativo montado em algum princípio. De repente, o mais fundo de quem mira e se põe a agir foi revolvido. Deixa de haver voz, qualquer voo contrário preso na sílaba de algum mecânico ditado

Advindo de um puro verbo principal

(Como se fosse maior, desmedido do que/qualquer habitante de mente/corpo em ato descontínuo)

Ex –


Eis –

         (O logo exposto quer dizer o recém-extinto

 

         Eis Ex)

 

 

Aprendi a perceber a vida em planos. Não A Vida, mas o que vivo no mais direto, disperso entre muitos (coisas demais entre uns/outros). Mesmo quando não há nada à vista. (“Aí tem...”, reza a voz popular feito a moral mais segura...”Aí nada se vê, por isso mesmo vale dizer “O que + temos”/tudo à mão para não ser possuído).

 

A conversa de Bebete não se desliga da interlocução com o amigo de Subúrbio (sensação de um “desde sempre”, parceria e periferia indissociáveis) mais: a Performer do Momento, a muito citada em impressos e boca a boca: Boriska.

No entanto, a afluência ao ponto, então, formado: o que se dá entre o público e uma garota – convidada por conta de uma demonstração/venda de roupas na Rua Alemanha a serviço dos homens da Família Karam – vai variando com o passar do tempo comemorado nas dependências da Sala SP Pan. No caso de Odila, pode-se notar um dinâmico movimentar. A partir do foco feito por ela em Bebete.

Ora ela colhe com atenção tudo o que vai sendo dito no círculo-plano pensado pela garota, ora se mostra inevitável um distanciamento por conta de cumprimentos aos muitos presentes, requisitando-lhe conversas à parte.

 

Mesmo na liberdade de dispor do que bem quer fazer na festa comemorativa de Maga Mega – “poderia ser apreendida como livro uma simples revista mensal?” (pôde bem lançar tal questionamento, na Abertura do Evento, em virtude do dado da Coleção-Documento ser elaborada como  sua peça central de amostragem enquanto editora e promotora da Cultura)

 – Mesmo livre para desfilar, em pleno domínio do Salão, Odila Karam prefere se manter muitas vezes destacada de todos. Preserva um posto (ainda que não componha um duradouro círculo, por força mesma de tentar a preservação de um, círculo) –

 

Mão direita muito mole, amadamada, como se a dependurasse à altura dos seios robustos.

Não fica sem marcar – idealmente à distância – uma disfarçada observação dos empenhos da recém-conhecida convidada – Uma imprevista participante (isso, essa, quer dizer algo, o faro de Odila não falha) surge de repente enquanto eixo/exemplo do que se entende apenas nessa hora como Noite, Acontecimento.

 

 

SINOPSE –

 

Planos da Vida de Bebete

       Ela vem se norteando por enunciados de Bezos – Logo livros transpostos de seus depoimentos.

       Recita, aplica, emenda o que está por escrito, a indicar matriz de incursão bem-sucedida, suma do alcance de bens (Bezos Quotations) de toda ordem. De palavra em palavra, no fio das linhas ao vivo

 

    Writing the business plan, the initial hiring, getting the company incorporated. In a way, they’re sort of, you know, simple, almost pedestrian tasks. But that’s how you start, one step at a time.

 

       

       Não há como escapar de tal referendo (só o muito experimentado aciona o que há de novo-nunca visto).

       Especialmente, quando Cid está à sua frente, em presença inesperada depois de anos, sem mais incorporar o band-leader de Cid e os Crimes da Cidade (timbre de música a se espalhar pelas periferias da Maior Metrópole Latino-América).

       Recomposto no seio do performativo ambiente instaurado pelos Karams, na função de assessor-cantor das coordenadas cênicas com assinatura Boriska, ele é o começo (marco de um “escroto subúrbio”, conforme letra de um hit apagado da memória/Banda Crimes da Cidade). A base das “tarefas pedestres” lidas no Manual Jeff Bezos impulsiona uma encruzilhada – tudo o que já (milênio adentro) acionam as minúsculas localidades.

       De imediato, é traçado um lugar – um recôndito, um recuo – no que há de concreto, empedernido de tão real (na exposta crosta de toda crueza).

 

       Os dois deram início a uma trama de amizade/amor feita de correrias desde os fundos da Igreja esvaziada até o alcance de alguns becos afeitos a encontros na surdina (lá em Crucilândia).

      Quando os 2 descobriram que a amizade de anos, sustentada por explosões conjuntas de afinidades e sofridos monólogos, era um “puta tesão”. Partiram, então, em disparada para um buraco qualquer na forma de abrigo, casulo possível a uma cópula (mesmo que de pé, fora de qualquer nomeação de acasalamento, na cola de um gozo).

       Curioso é ver – pensar a partir do desenho feito agora por Bebete na explanação do que tem chance de ser a próxima exposição Boriska/Cid. Os dois enquanto atores de cenas promotoras da Revista Maga Mega e da Empresa dirigida por Odila, surgidos das vivências anteriores de Bebete ao lado dele – Ver/rever a curiosidade de que a fuga amorosa ao lado de seu primeiro homem vai desembocar em um inevitável círculo –

 

      A Igreja (Cruz de Crucilândia) –

 desfeita (antes mesmo que Cid e Bebete nascessem nos arredores) – logo tornada empório (bebidas e miudezas), depois depósito das armas criminosas dos mandantes locais – acaba por conduzir o casal para a Seita Mediúnica de Sra Lora.

                  No instante em que disparam ao longo das ruelas por obra da busca de sexo pela primeira vez juntos. Irrompe a roda de um igual chamado/mistério (encontram no rumo do rastilho gozoso um ponto de pouso/uma parede infiltrada por musgo e mofo, em cima da qual lê-se a placa) Búzios Benzeduras Previsões Senhora Lora  – LETRAS dispostas numa Circunferência apontam para um esconderijo (região de sombra na noite guarnecida pela folhagem derramada de uma árvore limosa, antiga)

 

      Bebete propõe para Boriska a refeitura da cápsula onde a performer antes atuava na companhia de Cid  – O Ato nomeado MANEQUIM E MASSAGISTA ganha agora o título de OS CATADORES DE ESPINHOS. Arquitetado como Altar e misto de campânula reservada ao prazer mais estrito –


[1] SINOPSE   Escreva a sua... In ONO,YOKO/Grapefruit. A Book of Instructions and Drawings. Nova York/Londres/Toronto/Sidney: Simon & Shuster, 1965. p. 2.