Diário de Carolina

(Elisabeth Guimarães)

por Elisabeth Guimarães

(Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos

Comparados/Laboratórios de Criação – Escrita de Literatura e Teoria)

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Ele se adianta e puxa a cadeira. Não manda flores, mas puxa a cadeira. São duas. Aquela à minha direita serve de apoio. Numa fresta de asfalto do tamanho exato e suficiente, fica presa e faz a vez de alavanca. Viva. Minha cúmplice trabalhando para que o acaso se mantenha sustentado. A outra, à minha esquerda, demando em juízo. Fardado, ele a quer como inimiga. Eu a quero como patrimônio público humanizado em ocupação.

Geraldo Alckmin. Reorganização escolar. Fechamento de 94 unidades. As salas do Fernão estão lotadas. Mais de 40 estudantes por sala. Essa é a medida do governo para reduzir gastos, reunir o maior número de alunos numa só sala. A ideia é aprovar o maior número de estudantes o mais rápido possível, gastando o mínimo possível.

Ele puxa; eu a defendo com a força da causa. O que é uma cadeira? Não falo de definição. Falo de conceito. O conceito imanente da cadeira. Ele puxa. Eu contesto. Um cabo de guerra? Não. Não se trata disso. Isso não nos interessa. Teoricamente, não teria como medir força com ele. Ele puxa. Eu replico.

As aulas de Física não foram suficientes. Não saberia calcular a força/tração daquele embate. Um par de forças iguais e contrárias? No caso, forças desiguais e contrárias. Segunda Lei de Newton? Não sei dizer. O Estado está em dívida com a Educação. Ele puxa. Eu contra-argumento. Dissertação materializada? Braços e pernas se confundem. Por um segundo, o jornalista teria perdido o clique.

E o governo diz para a sociedade que a reorganização escolar é uma medida pedagógica. Que isso vai melhorar a qualidade do ensino público. Não! Se o governador quer adotar uma medida pedagógica, ele tem que construir essa ideia com os estudantes e as estudantes, com os professores e as professoras, com os especialistas e as especialistas. Ele não pode simplesmente instituir uma medida autoritária como essa. Reorganização escolar? A decisão saiu nos jornais. Não fomos consultados; não pudemos opinar.

Enquanto colegas tentam convencer a polícia de que temos direito à manifestação pública, disputo a cadeira com o fardado. Eu, minoria? Nem mesmo, enquanto ele puxa a cadeira à minha esquerda. Minhas mãos são múltiplas, milhares. Muitos/minoria. Minoria como potência de um devir, como política de acontecimento, de multidão. De acordo com nosso professor de Filosofia, potencialmente, minoria é respiração vital da maioria. No momento em que demando a essência da luta, sou respiração vital secundarista. Ele puxa. Potencialmente, acredito em resistência. Isso é tudo o que move minha ação.

Ele apela para a força; quer raciocinar. Eu conceituo a cadeira. Prefiro sensibilizar. De longe, observo manifestantes apanhando da polícia. A visão de um amigo sendo preso me surpreende, mas não me distrai. A parte frontal do corpo de Felipe está voltada para baixo. Um policial segura a perna esquerda dele, outro, a direita. Um terceiro, segura o braço esquerdo, outro, o direito. Enquanto caminham em direção ao camburão, o corpo de Felipe se move em desacato; esperneia. Quero ir até ele, mas não posso. Ana e Fernando entram no meu campo de visão; estão acompanhando a prisão de meu amado amigo. Foco, Carolina! Você quer a posse das duas cadeiras, em nome de todos e todas secundaristas.

Quando a cadeira que serve de alavanca se desprende da fresta no asfalto, quando a tração exercida é maior do que posso calcular, a alavanca viva improvisada pelo acaso se desfaz, e toda força investida pelo fardado retorna contra mim.

Agora sei. Agora aprendi. Velocidade. Vetor. O sentido e a razão entre a variação da distância e a variação correspondente do tempo de um corpo em movimento. Agora aprendi na prática para que servem as aulas de Física. Deslocamento experimentado de tal maneira que perco a segunda cadeira para ele. Fardado. Fadado ao fracasso. Força bruta treinada.

Perdi o patrimônio público para ele? Não acredito. A cadeira que servia de alavanca ficou comigo. A outra ele a atirou para longe. E os jornais dizem que depredamos patrimônio público. O fardado/fadado ao fracasso das forças militares não executou a reintegração de posse da cadeira nem das escolas. Ele a atirou para longe. Antes do clique, durante as ocupações das salas de aula, das escolas, das ruas. Desde o tempo que nos enviam flores. Tarde demais. Nos velórios.