por Lucas Miyazaki
(Romancista, dramaturgo e ensaísta. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa - USP)
I.
Saí do hospital e fui tomado pela avenida com os
automóveis e seus bolsões de ar. Minhas roupas
voavam e faziam uma corrente de vento muito di-
nâmica sobre minha pele. Eu sentia as coisas mais
imediatas – o chão, a sola do sapato, a luminotecnia,
os panfletos, a fuligem do lixo queimado e depois a
chuva. Apesar de saber que andar pelo centro era a
minha liberdade depois de 14 dias no hospital das
clínicas, eu captava com mal-estar o mundo ao meu
redor. Eu andava e a avenida despejava sobre mim
mais e mais matérias, elas iam aparecendo na cami-
nhada e eram tão diretas quanto o núcleo elementar
de um átomo.
Em estado cru, sem captar nenhuma informação
mas apenas o despejo do magma, comecei a procu-
rar por letreiros de hotel.
Na situação pós-clínica, voltar para casa era uma
ideia asfixiante. Virei numa rua de esquina bastante
tumultuosa, e além da ventania dos carros e do co-
mércio fumacento das pamonhas sendo empacota-
das e dos latões ao lado de sacos de lixo, das salsichas,
queijos coalhos e corações em brasa, havia um ruído
aberto e amplificado que ondulava ali fora. O rumor
começava a entrar nos meus ouvidos com forte inci-
dência, mesmo que não passasse de um assovio des-
necessário e dissonante ao vapor da paisagem.
Meus passos estavam sendo guiados pelo que logo
notei ser o drive expansivo de uma guitarra. Entrei
num estabelecimento e desci as suas escadas, onde
pude ler num cartaz colado numa parede que apare-
cia bruscamente – Trio Hélio Acid toca Björk.
Quase não se ouvia nada da cantora, que se con-
centrava mais em fazer de sua voz um complemento
dos synths modulados numa mesa repleta de fios. A
guitarra justapunha-se de modo autônomo, com-
pletamente imprevisível em relação ao canto de
Björk. Pude finalmente reconhecer a faixa “Human
Behavior”.