Central Telefônica Deambulante

(Avital Ronell)


Este é um trecho do artigo “The Walking Switchboard”, integrante do volume ensaístico Finitude’s Score – Essays for the End of the Millennium (1994), de Avital Ronell. O texto consta do inédito Livro – Telefone – Rua, que reúne material da grande filósofa norte-americana trabalhado pelo projeto homônimo – título da Ópera Estenofônica criada, a partir de The Telephone Book (obra exponencial de Ronell, publicada em 1989), por Mauricio Salles Vasconcelos (poemas/cantos/vocalizações) e Marcus Siqueira (compositor erudito).

Por favor, seja paciente comigo: não sei como isso começou, mas quando teve início despertei e acendi um cigarrinho, meio que serenamente. O clique ainda estava ressoando em meu ouvido, a fumaça subiu até onde doía. Eu não tinha a imagem, apenas uma chama de som na minha cabeça. Quando desligaram na minha cara parecia uma espécie de amputação. Comecei a pensar como rolava por um fio muito tênue tudo que estava relacionado. Enquanto continuassem a ligar, o contato nunca seria de fato quebrado, nem removido qualquer intervalo entre um e mais outro toque. Tempo encerrado. Eu tinha escutado o clique, como uma arma apontada para quem ouvisse. Como eu disse, comecei a pensar. Sobre amputação, para ser precisa. Em um certo sentido, era a história sobre a invenção de uma parte do corpo. Tinha o meu ouvido treinado para o telefone. Não sei para onde foram as vozes alheias quando peguei o fone, viessem elas de qualquer outro lugar ou de minhas entranhas. Nas tematizações literárias, os autores tendiam a colocar o superego na linha, vociferando ordens. Vi isso em Pynchon, mas também em Proust.

Jamais poderia dizer não. Pronta para responder o que já significava sim. Sim, eu mesma. Estou dando resposta, estou em dívida, sou responsável. Você nunca estaria completamente seguro sobre quem se encontrava do outro lado. Foi por aqui que o conceito de “trote” emergiu, quando a metafísica da identidade e da autopresença começou a se estilhaçar. Nunca deixei que o chamado soasse mais do que três vezes. Fui até o telefone, o qual também significa que ninguém se encontrava por aqui, ao meu lado. Nenhum de nós, no instante do toque. Algo sempre em perda, naqueles dias em que o telefone parecia tocar o lugar da ausência. Senão alguma coisa em desaparecimento, sendo necessário que fosse inventada alguma parte do nosso corpo – uma parte já levada, tal como o legendário pênis fêmea. Não estou segura acerca do que o telefone está substituindo. Talvez ninguém tenha saído daqui, porém algo em mim está faltando, certamente o que a teleprótese supõe recobrir.

Em seguida, tudo aquilo me feriu. Dei de pensar sobre uma espécie de tecnohermenêutica do luto – o modo como a tecnologia amplifica o corpo enquanto celebra uma perda.

A máquina-de-escrever foi inventada para os cegos, tal como o telefone de uma maneira ou de outra foi destinada aos surdos e ao sentido de perda. Engolindo a dor, devorando o invisível: de volta à recuperação dos objetos perdidos, como se fala desde sempre. Por vezes, poderiam me nutrir de telefonia apenas para que eu pudesse obter uma transfusão a longa-distância. O que evoca certa sensação primordial a ressoar o umbilical da lógica. Então, dei início ao rastreamento de chamadas que haviam sido transferidas para um corpo subterrâneo. Foi quando encontrei um feminino em desconexão a operar textos de Mary Shelley, Alexander Graham Bell e Martin Heidegger. Não esperava encontrar um fio em Heidegger. Mas estava lá: o chamado tecnologizado do feminino envolto em véus de luto. Disse ele que poderíamos superar a tecnologia tal como, no reino do humano, se ultrapassa a dor de alguém agonizando. Não demora as garotas aparecem, as coisas jovens que deveriam ilustrar tudo o que são, as mínimas, as coisas. Fiquei, então, no controle dos sinais, sentindo a pressão tecnoesférica se avolumar...................................................................................................................................................................................................................................


(Tradução de Mauricio Salles Vasconcelos)