Do Desastre, entre silêncios e fragmentos


(Ciro Lubliner)

ciro lubliner

artista, pesquisador e tradutor. doutor em artes, mestre em literatura comparada e bacharel em cinema. produziu criações visuais e sonoras, além de traduzir, com tiago cfer, o livro literatura de esquerda, de damián tabarovsky. atualmente realiza um pós-doutorado em estudos da tradução, na usp.


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os sistemas entram em pânico, as estruturas se desesperam. onde está o núcleo? a que controle central se deve reportar? que linhas seguir? tremores&temores se espalham pelo solo das certezas: alegria esfuziante da literatura.

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a pluralidade dos paradoxos: em uma competição com dez participantes chegou em décimo primeiro lugar. é preciso clamar por todas as irmãs de uma filha única. no reflexo do espelho habita o diferente. estamos destinados ao que não nos diz respeito. (assim atualizar cenas primitivas murmuradas do futuro. etc. etc. etc.)

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praticar a escrita desastrosa&capenga&catastrófica&cambaleante é insistir na impossibilidade. a linguagem que não tem o que dizer. desarranjo nas vísceras. desgarro&escarro das estrelas. constelações&destroços feitos de pedaços de cometas, farelos de rochas. atrito de corpos cifrados que se desgastam, abrem brechas, trincam e estalam. imenso iceberg que se descola formando um piso deslizante, aquele que leva ao avanço das quedas.

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a comunidade da desrazão. tudo é paixão, verdade do mundo, partilha da eternidade tornada transitória – como diz m. b. comunidade de completos desconhecidos. reino do inominável encarnado por todos os nomes.

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j-l. n. afirmou certa vez que a comunidade é o mito interrompido. interromper o mito: tarefa contemporânea dos intercessores.

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des-astre: estar separado da estrela. estilhaços vivos que enlaçam. contra-tempos da História. a criação de rituais para a celebração do imemorial, tempo qualquer vivido por parceiros de uma galáxia anonymous.

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o pensamento, a prática de um compartilhamento de vozes, de uma articulação pela qual só há singularidade se exposta em comum, e só há uma comunidade se oferecida no limite das singularidades. (j-l.n.)

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uma escrita fora do delírio já é natimorta. não se pode levar a escrita a delirar pois o delírio está contido em toda escrita (mesmo quando enclausurado&invisibilizado&mortificado). uma linguagem que só libera incertezas&vacilos&hesitações. a não-lei do mínimo insistente esforço.

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a caça por libertar-se das palavras (o pós), ou nem mesmo, quem sabe, chegar a elas (o pré): o silêncio impossível?

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o silêncio é a profunda noite secreta do mundo; e depois, de novo; nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio, não para o silêncio astral. (c. l.)

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para poder escrever sobre um objeto, é preciso já não se interessar por ele. (f. s.) querer escrever, que absurdo: escrever é a abdicação do querer. (m. b.)

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sina: uma autora perde seu livro assim que o assina. contrato que não se presta à fraude, invenção sempre coletiva. querer arrancar um sujeito é o pior dos movimentos: o verdadeiro plágio.

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a derrocada do horizonte é mesmo desesperadora, mas ela nos faz lembrar que o domínio é o que leva à extinção.

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se os tempos exigem paciência, devemos nos recordar do que afirma m. b.: a paciência é a urgência extrema. situação-limite das vivências, passividade ativa, potência dos corpos que sonham em vigília.

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imagens: Caio Kenji

fotógrafo artista visual. as imagens aqui veiculadas fazem parte de uma série em desenvolvimento intitulada estudos para um retrato figurativo ou em busca dos signos perdidos. para conhecer mais: @kenjicaio.