Uma vida não chega

(I.C. Copper)

por I.C. Copper

Jovem poeta e editor português, autor de Criolina para cavalo (2012). Atua na independente Traveller, dedicada especialmente à poesia. Muito estudado nos Laboratórios de Criação (FFLCH/USP), Copper recria no livro citado alguns motivos e sequências de Une saison en enfer, de Rimbaud. Selecionamos aqui alguns trechos de seu inédito Nelson ou Uma foda no limbo.


Heaven in Hell, de I.C. Copper














Estás vivo

num sonho impossível

de que ninguém sabe.

Nefertiti visita Cartago e compra tudo.




***




Praia. Vêem-me só, circunspecto.

Difíceis

são os corpos em evidência.

Queima a tua luz

desejada

– distante.



***




No silêncio pode haver

uma velocidade

que não a das pessoas.



***



Alguns poetas

só percebem de poesia.

Sabem limpar uma planta, cozinhar

arroz.

Morrem de vergonha

de não saber

conversar.




***




Também é bom

desolhar.

Lentamente.

E desovar.




***




NATURALISTA

Sonhei que a mãe me tinha tirado e rasgado umas folhas que andava a escrever muito boas. Revolto-me, mesmo à frente do pai, que está a chegar, digo que me vou embora, parto copos que estavam no quarto, está lá a Maria, estou chocado e triste… a mãe diz que aquilo não era humano. Eu berro, «e O QUE É HUMANO? O que tens que pôr na cabeça…» falha-me a voz e acaba o sonho… «é que a literatura… pode não estar interessada no humano.»




***




Pinhal. Ao longe

um homem moto-

-serra árvores.

O cão todo negro

insubmisso

destruidor de brinquedos,

cheira as ervas ao sol.

Canas

incompreendidas

e servis.


Sentado a ler, arquivo pessoal do autor.