BEBETE BEZOS

(Mauricio Salles Vasconcelos)

Episódio 1

Este lugar é ponto propício para acaso e aposta – Tanto marca um intuito quanto o dispersa. Desfigura a provisoriedade de um comes-e-bebes construído na ponta de uma esquina pouco frequentada em meio aos agitos da Avenida dos Clubes e cubículos de 2 a 1 pessoa.

Favorável a rateios, a sorteios – Eu brinco comigo mesma. Eu como o que vier pela frente.

Koringa (dá chance a um gracejo este nome, pois parece ser Moringa onde só se serve o básico e continua cheio da mesma oferta para quem precisa se saciar do imediato) –

Aqui somos lançados, entre aflição e abrigo, a pódiuns, páreos secretos. Porque todos vindos por cá querem falar mais alto sobre suas premissas provocadoras, já invictas. Como se descambar por essas bandas fosse uma escolha e precisasse de uma legenda bem gritante para o que denuncia fim-de-linha, involuntário desvio.

Por trás do que se vê, há uma logística em marcar o point como temático, típico de uma tendência acabada de surgir. Findo meu fim de expediente com café pequeno e polenghinho, engatada já numa manhã estável, impossível, mentada apenas na minha cabeça em turbilhão pelo excesso de trabalho, madrugada afora, apontado para uma grande festa – Exposição e Moda a um só tempo.

Terminando o lanche mínimo, para manter a forma e impulsionar a volta ao kit kitchnete (meu brinquedo nomeador repetido com Vixen, companheira de aluguel), digo também em voz alta (no silêncio estampado contra mim mesma; tentativa de réplica aos gritadores de Koringa) “ainda estou nas bordas do que está acontecendo”.

– Do que se reconhece como o que está acontecendo.

Percebo, porém, ter sido a ida ao Jardim (Europa) uma experiência de arrebanhamento. Em torno de 4 olhos (2 homens ali dentro, pai-e-filho) numa só visita profissional: vendedora atualizada no Contemporâneo veste clientes em suas próprias casas.



*



Amar é tudo de bom. (Tem também seu timing para que assim o seja: o leve, o lépido)

Deixa, entanto, um carregamento de coisas (legadas por quem se deixa acompanhar e, não necessariamente, vira companhia, mas presença infusa como nunca antes, quanto mais se distancia).

Vem um sobrecarregamento, caso perdure – Numa só, irreconhecível tacada: mescla e desnorteio do desejo de continuação naquele recanto igual ao corpo de uma pessoa, onde houve fluência, finalidade por vezes –

Uma garota vem falando sobre coisas, criaturas que somos quando estamos muito juntas de outras, infindavelmente nuas. Desde quando começamos a nos encontrar aqui em casa, com chance de traçar uma rota de fuga para um lugar só nosso. Ainda conversamos em grupo, cada vez mais crescente, inicialmente com contorno restrito, familiar. Desde quando –

Ela se mostrou direta no trato com as coisas de seu trabalho. Curiosamente, transporta roupas (Moda da Hora/Griffe Sandro Hoisel) até as residências dos clientes. Assim fui descalçado, vestido, percebendo minha forma desnuda nos intervalos dos comentários da vendedora (instantaneamente promoter de muitos apetrechos, adereços para lá da imediata indumentária) no correr das sugestões e dos detalhes do que me cabe ao compor uma silhueta.

Não para de dizer tudo o que se passa. A partir do ítem-moda e do festejo planejado por mim em família, juntamente com amigos, para celebração da Agência e da Revista. Chego a pensar se, simultaneamente, ao que liga as confecções com um sem-número de relações emitidas pela funcionária de Sandro Hoisel, numa tão incessante explanação do que tem em mãos para vestir e suplementar, não haveria também observações desconcertantes sobre mim, surgidas de uma a outra roupa. Justo nos intervalos em que estou ora despido logo transformado numa imagem do estilista onipresente (rosto replicado em magazines, lives, até soar como revérberos de transmissões televisivas/podcasts), num mesmo momento efeito do gosto e da fala da garota.

Kuki vem depois me falar dos trajes que compramos para o evento. Pensa que me engana: quer comentar de uma forma ou outra sobre aquela que acabou de passar por aqui. Tão simples assim, chiclete na boca para se dizer: Bebete.

Eu lhe daria secretamente um sobrenome dentro de um círculo apenas nosso: Bezos.



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Há um roçar preciso, verídico, entre partes de nossos corpos. Algo que parece vindo do mais inevitável olhar lançado por ela (entre os últimos lançamentos de roupa e o que agora sou, tomado parcialmente, um pouco despido no torso, deixando escapar pelos, ossatura, aos poucos coberto por muito tecido chamativo, absoluto tão somente pelo que ostenta).

Vem e prova cada peça, sem deixar de dar um toque em mim sem licença nenhuma. Principalmente, porque a mostradora (poderia ser este um de seus nomes, por estar inteiramente envolvida na entrega a seu cargo?) sabe alternar, no desfile de possibilidades promovido por um grande estoque de modelos, momentos duradouros de silêncio (muitas vezes constrangedores, estritamente profissionais, causando certa frieza na função de vender roupa) com inserções de inumeráveis formas de fazer evento quando alguém pensa em se “produzir”, estar à altura da hora que corre. Portanto – nada à toa –, uma garota como essa está ao lado.

Até porque gosto de “colar” em alguém sem distinção de quem. (Na minha cabeça, tem sempre cada um 3 sexos, para dizer o mínimo. O tempo já rolou, vi, provei, assim é meu gosto). Na presença dela, garota, mostradora (ou demonstradora?), há o acréscimo do que é imediato. Não importam roupas entre nós. Os olhos ficam por instantes demasiados uns dentro dos outros. Quem é quem (caso de perguntar porque dela não me desgrudo, como em retorno ao princípio da sexualidade, à cena desbravada por um garoto conduzido pela primeira garota resumida a olhar fixo).

De novo: ela me escolheu entre muitos (tantos sexos para um olho certeiro trocado exatamente por aquele ali, eu, no caso, selecionado do infinito, num simples trocar de palavras e peças-de-vestir).

Na presença da garota – demoro a ter conhecimento de que se chama Bebete –, provadora, balconista, se abre, na real, um modo novo de vida tirado do que a gente conversa apenas sozinho. Ou na rede lançada todas as horas pela multidão invisível da web (o formato corrente de se estar no mundo, à cata do mais íntimo por conta de tal projeção e rede-de-proteção).


– Eu costumo me remontar aos ditos de Jeff Bezos. O que está por aí, disperso, mas acaba por definir o próximo segundo de um vivo.

De repente, há uma criatura a dizer tudo o que rola dentro e fora do já definido como vida presente, toda hora.

Está aqui, falante (sabendo muito bem também se calar no momento certo).

Junto com comentários, trabalhados por impensáveis instantes de elaboração, parece querer ficar com a gente por um tempo maior do que o permitido. Porque traz informações sobre lugares, artes, aventuras reais e de puro pensamento (atravessados pelas palavras únicas emitidas por Bebete, instantaneamente relativas ao que somos enquanto e depois de tê-las, tê-la ouvido). Pois ela pega a gente no laço –

Exato segundo em que uma roupa modela e transforma um corpo: a próxima imagem de c/1.



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