BREVE NOTA SOBRE TARKOVSKY, LIVRO-POEMA
BREVE NOTA SOBRE TARKOVSKY, LIVRO-POEMA
BREVE NOTA SOBRE TARKOVSKY, LIVRO-POEMA
Mauricio Salles Vasconcelos
O poeta português Alberto Pereira insemina no espaço da lírica uma trilha composicional feita à luz de Andrei Tarkovsky. Toma todo o livro-poema uma aderência recriadora aos veios mais eletrizantes do cineasta das contemplações radicais, dos incursos desnorteantes por zonas existenciais e conviviais capazes de desfazer os limites entre as artes (cine-pintura-iconografia-plasticidade poemática) – aventura especulativa centrada no território russo – poiesis do mundo imaterial.
A imagética tarkovskyana incide numa ritmia verbal dinâmica. Alberto Pereira insufla modos construtivos capazes de expandir os enquadramentos do lirismo por força de uma cinematografia mesclada de potência bio, documentalidade histórico-cultural e imersão nos planos mais intrigantes de uma fusão, que é também fissão, de núcleos reconhecíveis entre os corpos e os átomos cosmográficos. Tudo o que se dispõe desde o itinerário traçado pelo filmador de O espelho entre a ciência encapsulada pelos rastreamentos de Solaris e os focos elementais trazidos por uma radiografia stalker de ser, durar, entre territórios concretos e dimensões incógnitas.
Em Tarkovsky, irrompe a nervura verbal de um explorador de cartografias escriturais ao compasso de uma época desafiadora, acossada por ditames da tekhné multimediática e a descontinuidade de livro/leitura/literatura ao alcance de olhos, mentes e conexões sempre mutantes, a despeito dos apelos da imperante visualidade contemporânea. Algo que o âmbito da escrita propicia sob o signo inventivo do cinema tornado legado do século. Tal como irradia o diretor russo, a instigar a desbravação de nosso desconcertante presente.
Impõe-se uma sondagem simultânea à reinvenção da poesia no interior de uma era de alta tecnologia, brutalismo político e domínios audiovisuais catalisadores, capitalizadores do poder de existir/subsistir e criar linguagem disseminante por escrito (no ritmar de um poemacto, ao modo de Herberto Helder), disruptiva da ordem monolítica de pertença global e agonismo cultural por toda face do planeta. O humano esplende e se esbate em iluminuras velozes de som-imagem-palavra.
O homem,
cometa escoltado
por uma magnólia convicta.
A língua,
na galeria auricular
recitando uma avalanche azul.
TARKOVSKY, de Alberto Pereira. The Poets and Dragons Society. Costa da Caparica, Portugal, 2023.