por Anderson Lucarezi
(Poeta, mestre em Letras Estrangeiras e Tradução - FFLCH/USP)
PAISAGEM ABORTADA.
grafite sob pixo: dignidade DRAG QUEEN,
(desafio [não fosse publicidade] ao mundo
exterior à liberdade das cadeias, onde,
dizem as trans, pode-se ser quem se é)
o rosto-madona desvela: ventre (saco) aberto,
plástico, debaixo do viaduto: rumo à sarjeta,
o chorume – imprime – à calçada – um mapa
à semelhança da América do Sul,
paisagem pronta para o saque.
aceito débito, algum humor, até,
luzes no abismo | H-O-T-E-L |
houvesse tempo, não fosse o trovão:
enxurra – súbito – a chuva,
voragem violadora, empantana,
inteira, a cidade, explicita,
como faz o retesar de boca
daquele pedestre, os rápidos
de veneno, correntes da célula ao céu.
PAISAGEM ÁVIDA.
colunas sustentam o estertor da cidade.
elevado / degradado – o viaduto
por cima do cenário.
“cinza” não dá conta; diga-se “gris”,
por ressoar o ranger de dentes,
grito dos | GRAFISMOS | sobre concreto áspero:
é a raiva da ralé da metrópole.
murais >>> expressos >>> gráficos cobrem prédios,
brada – a drag – braços abertos
até o término do contrato cobri-la de tinta.
não fosse obsoleto versar corações,
diria ser >> este << grafite pixado.
o arco-íris, feito pincel, guirlanda o halo
ao redor do bairro queer cult,
reduto de orgânicos, QR codes,
pink money, gag the fag (no APP) – e ali
sibila, suspensa, à janela, a jiboia
variegata!, wannabe cipó
que traga machos pra furar a quarentena,
é o desejo daquele morador
interdito pelo medo do cancelamento.
(...)
PAISAGEM CHORADA.
aquilo de temperança na palavra altitude,
zona de neblina aos casais no fluxo
/ subida – fondue – selfie – sexo – so long /
alheios à paragem (não esquecer,
é no Alto do Lajeado, desterro telúrico,
que as coisas acontecem)
e ao fato de seu nome, Mantiqueira,
gravura da realidade imediata,
por exemplo: chora, a serra, na estrada,
a efemeridade das hortênsias, terra,
deslizamento, geomância, resposta,
talvez, a que será de tudo.
Campos do Jordão, 2019
Colagem: Dhyogo Oliveira