A experiência de Jerome Rothenberg entre os Seneca


(Anderson Lucarezi)

Em 1967, após ter publicado alguns livros de poemas próprios, o poeta norteamericano Jerome Rothenberg (1931) estava terminando de organizar Shaking the pumpkin, uma antologia de produção indígena que se tornaria emblemática e seria um marco da Etnopoesia, quando visitou a Reserva Allegany, um território do povo Seneca localizado no norte do estado de Nova Iorque. Lá, travou contato com canções e rituais que acabaram levando-o a morar na região. Em 1968, em uma cerimônia, recebeu um novo nome, tornando-se, para os Seneca, um castor. Em 1972, mudou-se para a Reserva, vivendo lá até 1974. Nesse período, além de lidar com a escrita de livros como Poland/1931, no qual revisita sua ascendência judaica, fez vários textos a partir das vivências na Reserva que foram sendo publicados esparsamente, até que integraram, em 1978, o volume finalizado A Seneca journal.

Nesse livro, que é bastante plural, Rothenberg, após o poema introdutório, no qual fica visível a coexistência de referências indígenas e judaicas naquele seu momento de vida-obra, inclui poemas longos nos quais tematiza a figura do castor para a cultura local, poemas curtos em que registra, com a concisão típica de notas breves, os cerimoniais - o do milho verde, agrícola, e o das máscaras falsas, curativo, por exemplo - testemunhados em um inverno, e, por fim, excertos narrativos nos quais apresenta lendas locais imbuídas de aspectos xamanísticos, já que as personagens transformam-se em animais. Essas várias referências a máscaras e transformações em bichos sintonizam-se, em boa medida, com os movimentos da escrita de Rothenberg, cuja carreira tem sido bastante multifacetada.

Dividida em quatro seções - “Beavers”, “Midwinter”, “Serpent” e “Dreams” - a obra revela um aglomerado escritural característico de um diário (uma da acepções de “journal”), oscilando entre longos jorros textuais e breves anotações lacônicas, não explicativas, possivelmente feitas no calor do momento, focalizadas em detalhes - zoom fotográfico, close cinematográfico - das pessoas e dos rituais vistos.

As traduções a seguir visam apresentar um pouco desse momento escritural de Jerome Rothenberg, artista que, agora nonagenário, continua explorando campos amplos e mostrando, por meio de escrita, tradução e performance, que há outras formas de viver.

Figura 1 - Capa de publicação parcial de Seneca Journal, 1975.

Figura 2 - Capa da versão integral de A Seneca Journal, 1978.

Figura 3 - Máscara seneca de fins do século XIX exposta no Museu de Honolulu.

Figura 4 - Dança do Milho Verde (1942), obra de Tom Two Arrows, artista indígena que retrata, aqui, uma cerimônia do Milho Verde realizada por uma tribo de iroqueses, grupo étnico ao qual o povo seneca pertence.

DA SEÇÃO “METAMORFOSES & OUTRAS HISTÓRIAS”

Some had changed themselves into a dog or turkey – & one, a woman, had outrun a train. The last was told her by a white train engineer in Salamanca, & she thought it was the same woman who was shot in the form of a dog. They followed her trail & found her changed back to a woman with a big hole on her side.

Alguns tinham se transformado em cachorro ou peru - & alguém, uma mulher, tinha ultrapassado um trem. Isso foi dito a ela por um branco, engenheiro de trem, em Salamanca, & ela pensou que era a mesma mulher que tinha sido baleada na forma de um cachorro. Eles seguiram seu rastro & encontraram-na transformada de novo em mulher, com um grande buraco no flanco.

*

He was a poor white coal miner from West Virginia, & from the first years of his marriage & stay at the reservation, he felt a terrific impulse to carve. In particular, he said, to carve a mask. One night, after he had done a lot of carving, he fell out of bed (like a piece of wood, his wife said) & managed, though in awful pain, to make his way over to a chair, where he recovered. Albert Jones thought it might have something to do with the mask & told him that should it reoccur they would have to do a False Face cerimony & allow him to become a member. He was never into masks after that, but he made a few odd-looking statues that people said were nice.

Ele era um mineiro branco pobre do oeste de Virgínia & desde os primeiros anos de seu casamento & de sua estadia na reserva, sentiu um tremendo impulso de entalhar. Particularmente, dizia, entalhar uma máscara. Certa noite, depois de ter entalhado muito, caiu da cama (como um pedaço de madeira, disse sua esposa) & conseguiu, ainda que com uma dor terrível, chegar a uma cadeira, onde se recuperou. Albert Jones pensou que isso teve algo a ver com a máscara & disse a ele que caso isso acontecesse de novo, teriam de fazer uma cerimônia do Rosto Falso & permitir que ele se tornasse um membro. Ele nunca mais se interessou por máscaras depois disso, mas fez algumas estátuas de aparência estranha que as pessoas diziam ser legais.

NOTAS SOBRE A TRADUÇÃO

1. Na tradução de “Salamanca a prophecy”, optou-se pelo pronome indefinido “certa” em vez de “uma”, a fim de evitar a dissonância resultante da repetição “uma maloca”. Como “certa” foi usada na posição inicial do terceiro verso, optou-se por usar a mesma palavra no primeiro verso, para que a estrutura simétrica fosse mantida.

2. Na tradução do poema “The cycles”, optou-se pela palavra “entulharia” em vez de “entupiria” para que fosse preservada sonoridade do fonema /l/ (“silt would clog” / “a lama entulharia”).

3. Na tradução do poema “The thuderers”, optou-se pelo adjetivo “trovejantes”, já que em português o substantivo“trovejador” não é dicionarizado. Da forma como está, no entanto, o adjetivo pode ser tomado como substantivo.

REFERÊNCIAS

ROTHENBERG, Jerome . Seneca journal: midwinter. Saint Louis: Singing Bone Press, 1975.

___________________. A Seneca journal. New York: New Directions Book, 1978.