BEBETE BEZOS

(Mauricio Salles Vasconcelos)

Episódio 8

Em andamento de folhetim, segue no LÁPIS o Post Tela-Romance Bebete Bezos (Episódio 7).

O projeto se centra numa recriação, no feminino, de Beto Rockfeller (telenovela emblemática de Bráulio Pedroso), acrescida de motivos romanescos extraídos de autores como José Agrippino de Paula, Alfred Döblin, Robert Musil e Witold Gombrowicz. Em pauta, se encontra uma atualização de personagens do século XX instalados na época multimidiática gravitada em torno dos domínios de imagem/influência tal como configura Jeff Bezos (em correspondência neomilenar com o que Nelson Rockefeller exercia sobre o protagonista de Bráulio Pedroso, nos anos 1960, por força do poder econômico).


Mauricio Salles Vasconcelos

EIS O QUE ESTÁ ESCRITO                      EXPOR CHAVE-

                                                                             CHARADA

                                                                                     Chance Última

EM DISPLAYS assim que o breu

Inicial do Ato é dissipado


Antes mesmo do primeiro gesto

Tomar cena, figura, ao contrário


Do que pode ser emitido por qualquer

Palavra, presença e vocal: Atirar-se


No Vazio    Desde a repetição do Princípio

Feito Verbo     Não há rubrica, rede protetora

Tão logo a luz se anuncia:

O Breu                    



Edwin-Anésia se afasta da primeira fila formada pela significativa audiência composta diante do tablô/tablado. 

Na ponta extrema da Galeria Convergência Cubo, cuida cada um deles de apenas observar a reação pública, não sem sobrepor à aferição do evento um senso francamente carioca de lazer, laissez-faire (à mescla de Paisagismo e Economia, fluxos marinhos e bloqueios milicomilicianos). No segundo em que se desenrola a conversa mais desabrida. A respeito do que veem, vivem e não para de acontecer entre eles, ali ou fora do imediato Rio, imperiosa Barra


– Pois, então, meu marido, assim como o seu, não gosta de sair de casa. Eles bem podiam estar bem aqui formando par com a gente. Dois duetos à beira-mar.


– Imagina a gente não estar na boca do Rio por causa de orientações domésticas!

Você sente falta do seu (do que é seu)?


– Pode até causar surpresa: mesmo aposentado, usando bengala nessa altura da vida, o “meu” não deixa de comparecer.


– Ah ah, por isso é que te adoro, na sua graça de viver e poder dizer.


– Pois, sim, não é por nada não, mas eu adoro o (   )  (do/dito cujo) meu homem.


 (Edwin rememora no correr de sua fala as conversas com Eduardo Luís, o esposo, há anos acompanhados sempre de reflexões sobre o que vivem e gozam, mirados um no corpo outro)


 – Nem te conto. É uma volta no tempo. Como se a gente estivesse iniciando tudo na nossa história e nas sensações mais “regressas”. Em cada sessão de sexo, aprender o que já se conhece, mas não deixa de precisar ser conferido...É bem isso, não?  

(As coisas entre 2, ou mais de 2?, não estão lá fixas, feito obsessão ligada aos órgãos que cada um carrega). (Onde parece estar a fonte do tesouro, do “tesão”).



– Pregressas? É isso o que você quer dizer.


– Prefiro assim, “regressas”. Porque é uma coisa de voltar, ganhar forma, volume e morar dentro do nosso corpo. Principalmente agora que a cada mês há uma ameaça do “meu homem” não funcionar mais. Já tem 75.


– Você sempre me contou que ele é muito tenso, preocupado.


– Isso! Eu acrescento que se tornou mais ocupado depois que se aposentou. Vive à cata de notícias do dia e vai se esquecendo de si. E, também, de mim (de roldão).


– De rodão ah ah! (Passa o rodo, Anésia, minha garota).


– Você sempre picante, Edwin Eduardo ah ah. Você é meu picles esquecido, logo relembrado nalgum vidro de geladeira durante um almoço insosso (marmita self-service-serve/serve). 

Nem quero pensar se não tivesse você grudado em mim na rotina de um trabalho décadas adentro.


– Um trabalho cheio de gosto, não é? Por mais que a gente tenha dado duro, estamos agora a gozar a Barra. 


– Psiu, querido, tem um pessoal na fila da frente olhando pra gente logo aqui (atrás) no nosso cochicho.


– Que todos entendam a participação técnica desse acontecimento! Somos o STAFF! (Em tempo, um STAFF estafado necessitando de diversão). 

Só agora é que os performers entrarão em cena! 


(Tem gente que se incomoda com o significado do silêncio. Nada é admitido além do escuro, da antecedência totalmente falada do que os olhos podem ver).

 

– Tem gente que pensa de nós dois como um cacho. 



– Especialmente, quando você cochicha no meu ouvido o que não quer deixar morrer no seu pensamento. 


(Cachos de banana e balangandãs misturados em cada penca. Natureza em abundância abusiva               Minha performance sai de bruto através das conversas ah há há aí há ha há há ha)    Já nasci dentro dum Ato  (dum dum dando dentro de cada ato).


– Eu falo tudo, não é? E você não para de anotar. 

Não me esqueço de sua função como secretária, mais do que antiga, primitiva, capaz só de funcionar com um bloco de notas ao lado. Senão as coisas em volta podem se perder. Para Sempre. (Não só as coisas, mas o que são as pessoas. Isso, aliás é o mais importante, na ponta de um lápis bem preto).


(Cochicho. Os displays expostos com legendas são retirados da cena. Cauê sobe ao palco, logo seguido pelo pai e Boriska, no papel de uma Nova Virgem, transmutada em Catadora de Espinhos)


“Se eu não te conhecesse a fundo diria que Anésia, assessora de Odila Karmann, não passa de uma solteirona típica. Aparece como detalhe sintomático um anel de casamento no dedo maior da mão pequena. Não passa de um sinal referido a um sempre ausente. Melhor: inexistente”.


“Que nada, eu vivo as minhas farras. Quando a noite baixa no nosso mukifo, tenho um complemento pontual. Difícil de imaginar, aquele resto de homem no fim da vida ganhando força a cada segundo respirado em conjunto. Bem ali comigo. São as minhas férias de tanto trabalho...”


Psiu, minha senhora!


                       Último cochicho vem de Edwin Eduardo: “Sobre essa Bebete aí à frente de tudo, tão enfronhada...Infiltrada? O que vc me diz com sua experiência ao lado da Empresa-Família?

Tudo em cena tem agora o dedo dela. Quem mesmo? Mal chegou, está implantada. Tem aí rastro de sexo? Qual segredo?”


  Dentro do mesmo cochicho (buxixo): “Bebete mesmo quando não está em cena, aparece. Ela é que está em evidência nessas últimas semanas em nosso trabalho. Borralho? Ah há, passamos a fazer simplesmente “serviço”.

    Eu diria que essa garota é pura cama (misto de raças e graças eróticas”)         os dois juntos vão se calando, unidos por um só pensamento sob o jato da luz que abre uma espécie de talho por cima do cenário


Psiu psiu

Psiu!


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OS CATADORES DE ESPINHOS –


Boriska lê em voz alta o poema rimbaudiano “Les chercheuses de poux”/As cata-piolhos”, de onde foi recriada a noção de Morte do Desejo.


De acordo com o q transcorre nas atuais cabines onde se implantam:

Sexo, saúde, análise grupal. Enfim, Criatividade, Produção de Conhecimento e mesmo o que tanto se difunde como Arte da Performance em instalações, ocupações, órbitas de exposição, conversa e comércio.


Na concepção de Bebete Bartolomeu, conhecida pouco a pouco apenas como Bebete B., predomina no ar do País uma Atmosfera de sublimação, de dessexualização, lançada sobre segmentos-compartimentos no que toca à pele mais próxima. CATAM-SE ESPINHOS. Quanto mais os corpos se desnudam, travestem-se de seus opostos não-reconciliados para uma moldura, um modelo de pose/posto/postagem. 

A Massagem (Medicina-Meditação/AutoCura/Gozo Orientado) se reviravolta como calvário de um sempre segregado fazer sexo.


Ao rolar dos documentos perseguidos pela Revista Karmann, há uma espécie de flagrante inevitável sobre uma época outra em irrompimento –

Após à saturada pontificação de entidades/identidades representáveis do período 2018-2022. 

Não à toa, na Barra (onde se aloja o que há-de normativo, valorador de padrões ante as convulsões sociais e existenciais do País) se realiza tal explosão de signos hiperrepressivos – cata-piolhos-espinhos num só corpo (entre o familiar e o nunca-vindo)


Não à toa, Bebete B se impõe pelo que fala e também traz em seu caderno-de-notas –


Os tópicos ali contidos não passam, na real, da transcrição em outra ordem de espaço e tempo do livro não-findo. Tal como se dispersou a assinatura da expert em Atos Plásticos-Cênicos, de quem BB foi arrumadeira e assistente parágrafo a parágrafo, rodapé a rodapé de paredes encardidas, infiltradas por vazamentos crônicos (prédio antigo-modernista)


No fragor da energia em que executa serviço de demonstração/decoração de peças numa butique, a garota apresenta criações ao vivo saídas dela mesma num outro contexto de vida e venda. A partir de um material preexistente tomado como coisa inteiramente sua. 

À medida de stands, estandartes erguidos para sua própria imagem em relevo.

Repentinamente, está próximo dela Mazé Karmann. Ele toma sua mão ao manifestar uma vibe, um voto confiado apenas àquela encarregada de pôr nos focos da noite (Barra da Tijuca, ponto-de-praia tornado enclave residence zone) uma sucessão de personagens, cenas, vestimentas.



                               +++           

Uma parte da amostra noturna no Rio (sob outra paginação) vem de Vange Florestano (livro infindo)/

Outra, pertence ao arsenal de trabalho reunido por Vix (obras-de-tendência, INVENTE/DESFRUTE ou Entrevistas Jeff Bezos, além de compilações do mundo jornalístico). Ah, bem poderia exclamar Nan Goldin: tudo de maior nessa vida veio de meus roommates. Todo o material acerca de Comportamento/Cultura Apenas Agora disponibilizado pela jornalista à companheira de casa e cotidiano enquadrado em micro apts. 

Mais: a desenvoltura de uma balconista em cabines/compartimentos de Butiques. Sendo assim – assimilado e refeito background –, Bebete Bezos emerge.

Em 3 Planos, tríade de palcos não simultânea, desembocada na Barra –



                               +

De cabine a cabine, os corpos de Boriska e Cid em intercâmbio saem do recalque, da revanche. Bem quando se tocam entre massagens de fitness e sacríficio-crucifixo até que dali tenha nascimento

A Criança – Cauê pontifica uma sucessão de rostos e vestimentas, não mais alusiva a um só sexo – 

Mestre de Cerimônias (A Criança, O Feminino, conjugada ao Nome Neutro Disseminante) – 

Mensageiro Iniciático de uma transmutação capaz de pôr à mostra posturas, adereços, formas de fala/gesto/indumentária daqueles na audiência


Do interior das câmaras de toque e sexo, a Criança ora porta um chicote, por vezes ostenta o tipo de gravata usada por Mazé Karmann. Quando não se utiliza de palavras-chave retiradas de campanhas da Empresa. Através de um misto de alusão e renovada publicidade.

Causa choque para Odila a reescuta de certas senhas-guia integrantes de muitos anúncios de Maga Mega. 

Por outro lado, tudo acaba por soar como utilização multidimensionada do que estampa a Revista. A própria Grife Karmann se mostra capaz de autocomentário e propagação em novas frentes de ação/arte/anúncio grátis. Tal compreensão dá frisson aos donos do negócio nessa última hora, à beira da hiperexposição.

No decurso da apresentação da Primeira Cabine, muitos dos presentes observam Bebete, a organizadora da expô-entretenimento “imersivo” (tal como consta de algumas sinopses espalhadas pela Galeria). Ela está de mãos dadas (já, por muito tempo) com o homem (proprietário à distância) do Empreendimento. 

Odila se encontra, nesse momento, pensando sobre choque e continuidade do que se vê e vive numa só batida. Seu marido cria uma insuspeitada química com outro alguém, quanto mais se diferencia em tempo e altura da jovem com quem forma par. 

Visíveis, a correspondência, a grande combinação, no embalo de contrastes reunidos, criadas entre Mazé e a garota conhecida no momento apenas como Bebete Bê.