BEBETE BEZOS

(Mauricio Salles Vasconcelos)

Episódio 3

Em andamento de folhetim, segue no LÁPIS o Post Tela-Romance Bebete Bezos (Episódio 3).

O projeto se centra numa recriação, no feminino, de Beto Rockfeller (telenovela emblemática de Bráulio Pedroso), acrescida de motivos romanescos extraídos de autores como José Agrippino de Paula, Alfred Döblin, Robert Musil e Witold Gombrowicz. Em pauta, se encontra uma atualização de personagens do século XX instalados na época multimidiática gravitada em torno dos domínios de imagem/influência tal como configura Jeff Bezos (em correspondência neomilenar com o que Nelson Rockefeller exercia sobre o protagonista de Bráulio Pedroso, nos anos 1960, por força do poder econômico).


Mauricio Salles Vasconcelos



Mais do que Festa há um acontecimento em emergência – rastro paralelo ao que imediatamente percebo como Evento. O instante-lugar aponta para mim um andamento incapaz de se resolver como aderência indiscriminada ao que está transcorrendo.

Por outra via, cria impedimento para que eu tome posto apenas de observadora, convidada, componente, ao fundo, de uma cena. “O que dissemos, “lá atrás”, um ao outro em Crucilândia” – Desenfreia um mote, em toque de conversa retomada –

Cid –

O sempre rapaz, engalfinhado com questões gradativamente passadas a ser minhas, é avistado tão logo chego à Sala PanPauliceia. Crescer juntamente com uma Cidade (algo que fortalece, cria recorrência a um todo, referencial abrigo, na batida mesma de um desnorteio sem reta, nenhuma meta direta).


Cidade – Um bairro mínimo em mútuo contato (entre vizinhos desde pequenininhos), tão progressivo quanto oscilante, montado em certa violação de limites. Exposta fica gritantemente a pequenez de tudo no tempo estirado (sempre último pertence).

O bairro de nascença se torna ameaçador portanto, tendo em causa voracidade e supressão de uma medida. Quando a sensação de acolhimento vai virando tomada de coisas/criaturas em volta. Uma propagação de horror modela, miniaturiza, encarcera (entre museu e mausoléu).


Quando a coincidência quer ser compreendida assim, com tal nome, eu logo me desfaço de sua dissimulação implacável.

Quer dizer que meu “chapa” em Crucilândia acabou como funcionário dos Empreendimentos Karam. (Não fecho meu pensamento com uma indagação/interrogação num único ponto. Por que não há coincidência, não é mesmo?). Ele simplesmente veio, logo na Entrada, se instalar num acontecimento, para mim, imprescindível – chance e charada –

De modo a sinalizar o fim da ideia de um momento único e da tão falsamente despercebida Coincidência.


Os relatos emitidos por Cid “lá trás” são e soam como trilha sonora mental nunca dissipada. Agora “essa aqui” sabe porque ele e seu modo de falar – um testemunho do que pensa ser o “mais fundo” – vêm num encadeamento incontrolável –

Um texto assimilado por mim ao longo do tempo que tenho de uma chamada vida adulta, pronto para reinar na superfície (quando menos espero), uma vez que o tenho de cor.


Muito tempo depois: reconheço a descarga de confidências memorizadas até a hora que rola (e é só agora). O maior amigo do bairro (um cone de barro/esgoto sempre aberto/prédios residenciais, mais um nome de Subúrbio) não parece ter parado de falar comigo. O primeiro homem (diga-se, digo-me).

“Mucho loco”, reconhecer quando a gente avança uma casa (nessa vida mesmo, numa espécie de brinquedo) logo desponta (uma “partida” significa o que não se finda, emenda etapa em disfarçado campeonato) um sinal pregresso revolto. Expelido que nem destroço, osso rompido, retorno de trilha feita de barro vermelho no rolar do piso mais liso – De nascença, quer dizer não faz diferença com o próximo agora, já lá na frente, no esquecimento de tudo. Está sempre para acontecer!


Não dava outra senão a entrega a ele. Sua cadeia de confissões contagia. Irrompe um sentido de arrasto para cada vez mais atrás (no menor segundo respirado juntamente com Cid). Devo evitá-lo imediatamente (coisa horrível é uma festa não constituir lazer, o menor intervalo para o desenvolvimento de algo momentâneo, mostrando-se incapaz de desfazer o vindo há muito de lugares/épocas cada vez mais pregressas).


Os Planos/Os Palcos formados pela Sala PanPauliceia (são hoje meu ponto de concentração, minha meditada urdidura para uma noite decisiva) – Tudo o que posso ver para não ser interceptada de um passo a outro num ambiente pouco a pouco abarrotado por convidados.




O eixo da celebração: o tablado em montagem por Cid e uma criança chegando à adolescência (os 2 trocam caixotes de uma a outra mão, metidos em roupa de brim como que concebida apenas para tal função instaladora de Entretenimento por obra das Empresas Karam)

Nas minhas costas, retine um misto de jazz e electro (última vertente de músicos caçadores de estilos instantâneos).

Na formação de um bloco animado de gente a falar alto, desenrola-se um desfile privado de vestimentas, cabelos, paramentos visivelmente sintonizados com as fotos em circulação por inumeráveis canais (para o dia de hoje apenas). Justo aí, as vozes convergem para o que pontua a figura de Odila K. –

Sim, como se pensava, os seios da mulher são avantajados. Não há quem não queira conferi-los cada vez mais de perto.

Sua veste cintila, lateja. Dá para perceber uma visível assinatura onde ela se encontra acolchoada, numa proporção igual, incontrolada, do tanto que se despe a pestanejantes olhos, observações travadas em cochichos. Por conta das reentrâncias permitidas pelo vestido muito bem costurado de modo a se abrir em abas, alas.



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O toque nas suas costas vem dele. (Não houve distância, desfiguração das pessoas na rolagem de anos sobre anos, é o que parece).

Não houve jeito, o modo de se chegar sempre surpreendente quando mais se torna íntimo, vem de Cid. O “maior amigo do mundo” constatado no bairro miúdo – conexão exorbitada, enfática, em defasagem constante com a maior Metrópole da América Latina (principalmente num Sábado de Glória para Artes e Empresariamentos Culturais quando tudo quer se concentrar num único espaço apenas, em dia sempre estrito) – espera que eu me vire, num consentido reconhecimento.


“Na real, vi você do palco. Seu rosto nunca perdi. Está comigo, Bebete. Bem maior do que qualquer multidão abriga e apaga”.


“Pois, então, faço, sim, parte da Celebração! Estou iniciando projeto como cantor e performer. Deu pra perceber Cauê, meu filho? Sim, sim, só tenho esse garoto. Pois é, você sumiu da área. Crucilândia, nunca mais? Seu pessoal (sua mãe, seu irmão) chegou até perguntar de ti.

Nunca abandonei minha aldeia. Ninguém sai do seu solo por mais que ganhe espaço. Eis o grande lance (de onde vem toda força).

Dali é que tiro o novo rap em recriação de matérias jornalísticas, tendo na base a vivência com pessoas da realidade, colhidas em bairros perdidos (como é a nossa Crucilândia)”


– Impossível imaginar: você vive (não importa o jeito) como poeta!


“Com certeza, a poesia está presente, sempre em frente. Você deu muito estímulo ao que escrevo e penso desde aquele tempo. Não podia faltar a letra inteira dos meus textos, combinada com um tipo de música mais lenta (Rap Repto do Momento – É o nome do meu projeto, meu estilo).

Quero abrir para outras áreas não estritamente musicais – Você vai ver daqui a pouco: estou em parceria com Boriska, sabe quem é? Perita em performance. Hoje apresento uma das primeiras concepções do Repto do Momento. Não se trata de nenhuma coincidência você estar aqui”.


– Ah, agora entendo tudo: o nome Boriska acoplado a essa referência ao Rap. Tá certo, não vi a assinatura Cid e os Crimes da Cidade. Nem podia crer na sua presença por aqui. Jamais suporia que suas experiências com a Banda tão conhecida em Crucilândia e adjacências tinham se tornado uma atuação somente sua, solo (em outro ambiente, sem mais trazer menção nenhuma a você).

– Sou hoje um Projeto, deambulante, descartado dessa de nome. Bebete, quero muito voltar a falar com você depois do nosso Ato.




Volto a dar um giro para vê-lo também de costas, depois do nosso reencontro (cara com cara, próximas novamente), logo ficando espantada com os quatro olhos que se fixam sobre mim. Numa espécie de púlpito, reservado aos comunicantes da Noite, Mazé e Kuki Karam não param de transmitir identificação de minha presença, minutos antes da Abertura de

Revista Maga Mega em Performance-Celebração


Os 3 microfones instalados por Cid e seu filho, em andamento de encenação conduzida por Mestres-de-Cerimônia entre Raptos de Rap e Teatros da Fala (concepção-chave do que realiza Boriska), estão sendo reservados para as Comunicações da Noite.

Ao pisar no tablado recém-montado aos olhos dos convidados em afluência, É uma família que dará início às comemorações: Mazé, Kuki e, sob uma aguardada desenvoltura de apoteose, Odila Karam, Agente e Curadora de tudo que se lê e visualiza na órbita das pessoas de hoje com suas notícias. Pessoas – idealmente ao vivo – ladeadas por notícias de toda ordem de transmissão e tempo.


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Nada confirma a estabilização de um

Círculo –

Primeiramente, Odila Karam manifestou tal propósito de concentração. Agora, ladeada por marido e filho, está pronta para descortinar a sucessão de atuantes (quando diz

Mais do que Visibilidade ou qualquer outra senha em evidência

Maga Mega vem se consolidando como Magazine diversificado, composto por uma equipe sempre refeita em função dos fatos, atos (os menos perceptíveis de momento a momento)

Penso, mesmo, que em conjunto formamos um álbum dos eventos dos últimos tempos. Em especial, quando ficam mais reconhecíveis dia após dia os capítulos de pessoas (compõem uma coleção serial) em ação numa espécie de época em fluxo. Tal como mostram os diagramas de nossas pautas sempre dispostas de modo mutante, quanto mais se fazem pontuais


DIAPOSITIVO movido por reiterado referendo: Última Geração. Tal qualitativo estampa as 100 capas da Revista numa sequência veloz. Montagem elaborada para causar efeito estonteante – numa só batida –, aglutinador.

Na edição mais recente – comemorada exatamente nessa hora pelos meandros do Salão PanPauliceia – os 3 membros Karam ali presentes estão em companhia de uma fotografia (em formato banner) de Tata, filha mais velha do casal Odila-Matheus José (Mazé). A jovem acaba de chegar de um estágio muito comentado em Palo Alto. Por demais tímida, preferiu comparecer na celebração do Número 100 de MAGA MEGA à distância. Está na Sala São Pan Paulo, evitando, porém, sua aparição no púlpito onde seus familiares se reúnem.




Inevitavelmente, faço girar minha cabeça na tentativa de localizar Tata. Alguém, ao meu lado, nota que tento identificá-la na já considerável multidão formada diante dos Comunicantes. A exemplo de todos os convidados, em busca do foco onde se encontra a pesquisadora de InfoSsemiose em famosa cátedra californiana, a pessoa que está ao meu lado depara, em sua virada de pescoço, com a minúscula menina mestiça quase afogada por voltas de um cachecol acamurçado (feito perfeito para disfarce).

A figura que me ladeia logo me avisa: “aquela é Tata” e a pessoa, muito gentil em dar o toque, entabulando uma conversa um tanto desenfreada comigo, se chama Brigite, “sou avó muito orgulhosa dela, tem tempo que não a vejo, engraçado notá-la no meio de tanta gente, não moro em SP, muito me estranho com essa quantidade de criaturas para quem vive em meio a animais de pasto e outros largados pelos campos, enfurnada que sou numa solidão já meio crônica, quem é você?”


Ana Elizabeth Bartolomeu.


Sempre se dá o nome (da parte de algum-um) quando o pretendido círculo cria ondulações, necessitado de interlocuções (de palavras, com toda certeza). Ao compasso de espaços demarcados, para que se forme um provisório centramento –


Bebete, “eu me apresento”


“Não se espante por eu usar o chicote” (Muito experimentada, a Senhora com quem converso nota meu olho fixo no complemento que traz como aderido ao corpo espadaúdo, inquieto – um extemporâneo armamento selvagem –, a contrariar a velha que ali de dentro fala, guiada por um tom sereno, embora direto, de voz).

“Entendo que cada um tenha seu estilo. Agora mesmo ouvi isso de um amigo recém-encontrado aqui. A Senhora não quis ficar junto com sua família, lá na frente?”

“Quem sabe eu conte minha história inteira a você (por exemplo), um dia.

No momento, o possível a ser dito é “solidão crônica” (daí o chicote, a plenitude vivida em minha fazenda onde só há a minha presença como humano), assim eu evito maior explicação. Até para mim mesma”


/Ah, minha garota, quando eu começar o conto de toda vida terei como início o chicote vibrado no ar, arremedo de aviso; jamais na direção de um bicho, isso sim, tal como sinto e estalo: para evitar a invasão, a infiltração descontrolada, que nem fosse vírus, do que se chama gente/


Maga Mega Número Especial – Histórica, concebida ao modo de um inventário da Vida Presente, traz uma reportagem-documentário sobre os agenciadores de Informação e Arte: a família Karam está na capa, em muitas páginas da edição (em embalagem encarte-compacto onde consta também o DVD-Doc sobre modos de existência e produção no corrente milênio)

Os últimos 20 anos ali se estampam numa sequência surpreendente, capaz de revelar por imagens e inserts-de-texto correspondentes os pontos mais intrincados, ocultos pelo tempo.


As palavras de Odila reverberam, retinem nos incontáveis rostos curiosos inapartados do Palco.


/Já fui madame, mandona dessa Empresa aí, Karam Estúdio Satélite, melhor nada dizer: só olho (eu, Brigite Bastos Karam) para a garota enquanto Odila sustenta sua Comunicação. Ana Elizabeth Bartolomeu que se faça entendida.


Meu olho é duro, crava na sua cara (garota ao lado) tudo o que não verbalizo.

Tenho no canto da boca, rosto em cheio, o fel das horas, o veneno surgido no ar, na mais vasta natureza. Assim num repente (ricochete, chicoteio) como coisa à toa, incapaz de ser retida, à guisa da tal da Vida,

“Solidão crônica”, passada de um para outro, no sem-fim de um mesmo humano repetido indefinidamente. Não se sabe porque nem desde quando até onde


As palavras da velha Brigite não cessam de ressoar. Por mais que ela não saiba, nunca falando além disso

Solidão Crônica/