1ª Sessão de Escrita

(Mauricio Salles Vasconcelos)

1ª Sessão de Escrita


por Mauricio Salles Vasconcelos

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Desbloqueio. Irrompimento.

Aqui é uma área livre, onde vale, sem juízo e nenhuma ordem superior, sustentada que seja em placar de qualidade e rebaixamento da pulsão, a pulsação vinda do instante em que se começa a grafar algo (entre a procedência de alguma matriz e a urgência de um momento sem-igual). Sem delegação do lugar de juiz ao leitor/coordenador/mediador de uma Oficina de Literatura, vale exatamente o que só “você pode escrever”.

Certamente, o texto em surgimento parte de um contato mínimo com um campo – narrativo, poético, teórico-ensaístico, em todas suas mesclas pós-gêneros pós-dramáticas (a teatralidade também se imiscui nos processos da performance escritural, mesmo desprovida de um tablado). Campo

Arena

Agon

Através de tais dimensões espacializadas do combate sempre intenso, interno, na lida com a escrita por vir

Plano

Palco

Pauta

Desenham-se os sinais a serem seguidos. Das minúsculas modulações dos signos lançados em tela/papel o trabalho em seguimento – por mais que se interrompa/por um momento em seus toques iniciais – apresenta as linhas indicadoras do que se estampa e exige de seu autor. Como tratar a trama – minimal, que se apresenta ou extensamente caótica, irresolvida ainda – em amostragem imediata?

Decifrar os signos, os sinais – num andamento pós-fenomenológico (citando-se Merleau-Ponty em contexto mais para Avital Ronell) – passa a compor o trabalho construtivo, propositivo de quem se põe em ato-de-escrita.

Decupagem de sentenças – sequências – se dá como operação prazerosa, desafiadora, constitutiva do que se chama escrever

Do que chama à escrita, uma decifragem, um jogo, uma pontuação irrecusável e intransferível. Entre um arcabouço anterior de referências e o pequeno, poderoso movimento, insurgido apenas desse eu/ex-persona/outra subjetividade inseparável do que-se-escreve.

Do que se escreve a contar dessa região anônima, plena de virtualidades – uma aventura (Silvina Rodrigues Lopes em seus diferentes textos, compreensíveis com a designação contida no livro Literatura, Defesa do Atrito). Quanto mais choque houver, o escrito se ramifica, plurificado, possibilitando a mão, os nervos, a mente, a memória e o salto no não lido/inscrito antes/até então: uma forma de incursão/inovação.

Nada como ocorreu antes – O que se passou? O que: o contínuo passamento, q ainda vem (quando paro para escrever bem aqui).

Passar/deixar passar as linhas incontáveis, bifurcadas na palma-da-mão, feito charada de toda uma vida = linhas-de-escrita/labirintos dos corpos rumados para o que não cessa de vir (por mais que existam passado, passamento, justo aí, assim).

Eis a chave indagativa nuclear ao empenho literário (tal como os pensadores de Mille Plateaux lançaram desde 1980, ano da publicação influente até hoje em todos os âmbitos das Ciências Humanas ou não). Tatear as próprias mãos, condutos do verbal/vocal à matéria viva (provinda exatamente de “você”/outro alguém). A literatura e seu não: producente que é de enlaces sempre surpreendentes nascidos de uma zona obscura em que os autores (iniciais que sejam) tomam mais força quando compactuados com tal voragem, densidade, viagem feita no dorso do já conhecido. É isso, enfim, que importa para a existência de algo nomeado ainda como literatura.

Cada vez mais interessam a um universo sobrecarregado de livros e reincidências autorais, o desafio, a travessia, a prova de cada um sob uma via tomada de modo único (sempre último, no limite do já existente e do que está por surgir) por cada atuante-escritor-autor de uma matéria verbal em inscrição e movimento conjuntos. É assim que se lê em projetos fortes, ressonantes de todas as épocas, o enveredamento em inumeráveis exemplos vitalizadores do que fazem a literatura e podem ainda convocar em tempo presente a mobilidade de linhas nascidas da nervura, do toque corpóreo daquele um (menos provável, aparentemente menos preparado).

O ato da literatura corre para fora de um modelo de legitimação prévia e em destinação. Sem tal pacto inexiste inovação. Porque tudo capaz de transformar o codificado, o coisificado como “literário” se dá quando o encontro de certo elenco de leituras cruza com aquilo/aquel@ em emergência –

Sonda não preconcebida (o que move o gesto tornado escrita), surgida quando alguém se põe a plasmar dos menores arranjos, das microarmações verbais – sintáticas – rítmicas – frasais o vínculo história-instante, tradição-efemeridade, corpus e corpo. Passa pelo mais anônimo modulador de signos escritos ou não (tudo ganha forma-força na quadratura nascente de palavra encadeada).

Está em suas mãos.