por Mauricio Salles Vasconcelos
Não se trata de rinha – política nada tem a ver com adoção facciosa de uma frente, de um partido (avessa a toda dicotomia viciante, permanente) –
Talvez venha a ser uma renga – o apelo a diálogos expansivos com foco na objetividade da escolha e da ação políticas –
Nada adstrito a gosto (como quem prefere uma cor ou um prato a ser consumido), o empenho político jamais se descarta da objetividade de um elo com o público, o comunitário, a socialidade.
Lanço aqui uma pauta propositiva – com interesse de um alastramento através de um sinal ou senha
POLÍTICA NÃO É CRIME –
Sem o combate à distorção pela qual estamos sendo acometidos há anos, brasileiros lançados a um domínio de forças contrárias ao princípio da cidadania e do bem-estar social, não existe Política –
Basilar se mostra o posicionamento plural (paralelamente às conquistas da identidade, da sexualidade, dos territórios e das culturas originais) na defesa de uma esfera incapaz de ser contagiada por corporações, famílias bestialmente centradas no abate aos direitos e ganhos de uma instância a ser protegida em escala constituída democraticamente: o pacto real com o social.
Sofremos da apática delegação a um representado corpo fisiologicamente degradado como se o desempenho político pertencesse a um estrito agrupamento violador das forças vivas de produção, criação e saber.
NÓS SOMOS OS POLÍTICOS em nossas mais diferentes áreas de atuação e existência.
Os ativismos em pauta, formados fora das composições partidárias, se restringem a movimentos segmentados, atos incapazes de potenciar suas essenciais causas minoritárias, identitárias, caso não se formulem de modo heterogêneo. No contrafluxo da Macrológica da representatividade e da segmentação (considerando-se que o minoritário acabou por se tornar mainstream, ponto parasitário, paralisante, avesso a um ativismo abrangente, coletivamente eficaz), o momento de agora induz a uma mescla ativadora de fomentações renovadas com os corpos movidos por combinações de raças, sexualidades e culturalismos de toda ordem rumo a uma manifestação disseminante contra o Estado de Coisas.
Vigiar e virar o jogo desgastado da representatividade tal como se mostra e corrói o poder realmente potente da diversificação de focos se mostra como o eixo de toda ideia atual de Política.
Sem que se removam as desfigurações feitas ao diverso corpo do Coletivo Brasil obstruído por uma insustentável divisória direita-esquerda, nada será transformado. Como se existisse base sólida para um contraponto à direita, o devorador capitalismo brutalista (da maneira como concebe o grande cientista político contemporãneo Achille Mbembe), bloqueador das trocas sociais em sua máxima voltagem, joga com discursos fantasmagóricos, retroativos, encalhados no meio do Século XX (há quase 80 anos, frise-se). Milícias reais e virtuais substituem os esquadrões policiais da ditadura militar brasileira, num mesmo, permanente fluxo (desde a pretensa recomposição democrática instituída em 1985, sempre em ameaça, veja-se o indefensável e até hoje não punido ataque ocorrido federalmente em 8/1/2023).
Viver no Brasil significa estar ao compasso da discursividade meramente opinativa, destituída da força propagadora do sentido essencial da Política, descartada que é da criminalidade, da patologia social, do horror à alteridade. Esta, sempre em dimensão pluralizada, não se faz excludente do diverso (como tentam se impor as frentes anti-democráticas até hoje em escandaloso vigor, totalmente refratárias ao sentido politizador fundante de qualquer vida ou nação). No campo da política, não basta ter “opinião”, selecionar uma “facção”, pois a corrosão hoje existente do vínculo com a socialidade, o falseamento das proposições mais definidoras do foco coletivo estão em pauta e ameaçam ao nível mais paroxístico o sentido de haver país, pacto com o próximo segundo de vida. Porque todas as áreas do humano foram atingidas clamorosamente, desde 2019, sem a devida reparação dos reais números de mortos no decorrer do double lockdown sanitário-político, sem a recomposição dos mortos-em-vida em qualquer espaço, da Universidade ao Ambiente, sob as reverberações da Ideia-de-Universo.
Em contrapolo às formulações de Franco “Bifo” Berardi quando constatou o quadro de vigilância e blocagem da socialidade a partir do evento-espetáculo 11/9/2001, mais do que urgente se revela a desmontagem do perverso composto technoglobal sedimentado a contar de tal marco histórico. Fundamental se revela a estratégia de combate a todo um alinhamento traçado em direção ao controle maximal de povos, territórios, corpos em favor de um construto consensual (transnacionalizado e tecnificado em configuração homogeneizadora) no que toca a modos de vida, informação e maneiras de conceber, fazer política. Talvez o todo, tudo, comece a redesenhar outro princípio a contar do ato de transvalorar o delegado senso global, em uníssono, a fluir pelas redes tantálicas da existência unificada por um soberano logos macropolítico.
VIGIAR O ESTADO em contrafacção não dualista ao monopólio do crime corporativado. Tal como vivemos, no rolar desse milênio agravado por Não-Governos com seus vestígios propagados em efeito loop, em detrimento do bem-estar social, constitutivo de qualquer governança, de qualquer quadratura potenciadora do bem comum.
Interessante, a compreensão de um ensaio como “Para dar um fim ao Juízo”, contido em Crítica e Clínica, de Deleuze, para que os ativismos sejam, de fato, atualizados em ruptura efetiva com a guerra das opiniões, das facções proliferadas sob a égide da sem-noção do direito de expressar seja o que for por obra de uma falsa tribuna declarativa (no virtual e no real).
O combate à morte tornada programa coletivo não pode ser abandonado, muito ao contrário, rearticulado em bases atualizadoras, uma vez que a desfiguração do real, a precarização como projeto de governo, são manifestações da destruição da vida presente, do ambiente, dos âmbitos de conhecimento, criação e cultura. Para não se falar do direito de respirar não só o que vem da natureza, em pujança, mas no que se refere ao senso de historicidade, com a amplitude atualizadora da inteligência (contra a distorção bolsonarista dos eventos nacionais e do devir dos corpos coletivamente presentificados).
Não ao acaso, o combate amplamente erguido por potências da cognição colhidas nas variadas inteligências comunitárias, não limitadas a protocolos tão somente de identitarismo e filiações partidárias/corporativas (mesmo em nome do não-governamental) necessita ser formulado. Pois tem chance de se mostrar contrária à guerra – tese deleuzeana no texto citado – ainda travada de modo datadamente dualista (numa involução crônica de pensar/agir regida por inconsistentes referendos da época da Guerra Fria) desde a implantação da ignorância como eixo da truculenta não-governança ainda desdobrada em fronts dissociados do senso de presente, passados os hediondos anos 2019-2022.
Uma vez, mais uma vez, a ação amplificada sob o signo de uma possante constatação do que podem ainda reunir e transformar os corpos vivos a partir de agora. A contar do que é básico e mobilizador para uma nova existência de cada um em si/ social fundamento:
POLÍTICA NÃO É CRIME